quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Declaração



Por que uma pessoa de classe média, sem esquema, tem tanta dificuldade para se eleger?



Vou contar um caso…uma cidade chamada Ipubi, no interior, assim como todo interior, tem dois donos, um é dono de metade da população, e um é dono da outra metade. O nome de um dos donos era Valdemar, que foi o único do PFL que votou em mim para Senador, e ficava sempre me ligando.

Como eu fazia rádio no interior, eu falava em uma rádio de Araripina, que era muito ouvida em Ipubi, e um dia eu fui a Ouricuri, e tinha uma pessoa que queria falar comigo. Um cidadão muito humilde, chamado Joaquim, que vendia laranja na feira de Ipubi, para você ver a modéstia deste cidadão. Ele disse que me ouvia sempre, e que tinha quatro galinhas, e que apurou o dinheiro para pagar a Kombi só para ir lá me conhecer e me dar um abraço.

Fiquei tão comovido que disse que eu pagava a viagem dele. Ele disse que não aceitava, que tinha ido lá porque me admirava. No dia da eleição, eu estava em casa, tocou o telefone, e era Valdemar de Ipubi.

Ele disse…”Olha, está aqui uma pessoa minha, Joaquim, e eu fui entregar uma chapa a ele, e disse que tinha vontade de votar no senhor, e me pedia permissão prá votar. Então como eu gosto do senhor, ele está aqui na minha frente, e eu disse que no senhor ele tinha direito de votar”. Então ele passou o telefone para Joaquim, e este muito constrangido, disse que como o compadre Valdemar tinha dito que poderia votar em mim, ele votaria.

Resultado…eu tive 1 voto em Ipubi, que foi de Joaquim. Meu amigo Armando Monteiro, que nunca foi lá e nem sabe onde é, teve 3.500 votos. Inocêncio teve os 3.000 do outro lado, do outro chefe político. Eu tive 1 porque Valdemar permitiu.

Então você vê que eleição em certas regiões é isso. Você se acerta com o chefe local, ele diz…”aqui o senhor vai ter entre 2.500 e 2.700 votos. É tanto, e não existe cheque, é dinheiro batido”. Então eleição proporcional é isso. Comprou, pagou, se elege. Não comprou, não pagou, não se elege.

*Resposta do ex-Deputado Federal e um dos mais atuantes ex-membros do PMDB, Maurílio Ferreira Lima, a pergunta feita pelo Professor-blogueiro Pierre Lucena, em entrevista para o blog Acerto de Contas.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Jornalismo de Gaveta II


Pecado Divino

É sabido que a essência do ser humano ou o folclore cristão consta da existência de sete inglórias, sete pecados costumeiramente cometidos por nós, incautos, mas que acaba sendo motivo de condenação por nossos iguais. Um deles, a ira, é tido como único pecado cometido por Deus e seu filho, Jesus. Para o primeiro, os exemplos são o grande dilúvio, a expulsão de Adão e Eva do paraíso e a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra. Do segundo, pode-se falar da sua revolta contra os mercadores que vendiam produtos nos pátios dos templos cristãos. Bem, exemplos à parte, a ira é um pecado peculiar. E foi dela que ficou encarregado o escritor e roteirista de cinema José Roberto Torero, ao escrever para a coleção Plenos Pecados, da editora Objetiva, que tinha como objetivo contemplar cada um dos sete pecados em romances de autores diferentes.

Segundo livro da série, Xadrez, truco e outras guerras mostra com maestria a melhor metáfora para falar da ira: a guerra. Torero explica cada detalhe do que talvez seja a maior manifestação desse pecado, também pela quantidade de pessoas com ira, mas muito pela intensidade da ira assassina sem remorsos — para a maioria — que se apossa dos combatentes. Permeada por muita ironia e sarcasmo, a obra questiona valores do ser humano, como honra, glória, justiça, bondade e igualdade, diante de uma situação de conflito como essa. Além disso, nos leva a pensar na política, nas artimanhas que os mais poderosos articulam para justificar uma guerra, motivada, segundo Torero, nunca por ira, mas por diversos outros motivos, sendo a ira, segundo um dos personagens, “coisa para soldados, nunca para comandantes”.

A arquitetura de José Roberto Torero, na verdade, é bem maior do que parece, analisando os elementos da história mais minuciosamente. Primeiramente, a guerra do enredo se baseia, nada mais, nada menos, do que na Guerra do Paraguai. Uma das causas é a invasão de uma região do país do Rei por parte do exército do país do Ditador. Ademais, o país do Diplomata, conselheiro do Rei, tinha interesse na guerra, pois lucraria muito com a venda de armas para o país do Rei. Na história da Guerra do Paraguai, o “estopim” que desencadeou a batalha foi a invasão do Brasil — ocorrida na então província do Mato Grosso — por parte do Paraguai. O Brasil, na época, era comandado por D. Pedro II (o Rei) e via em Solano Lopez, líder paraguaio, um ditador frio e sanguinário, enquanto era um salvador para o povo do Paraguai (no livro, o Ditador se apresenta como Salvador ao se encontrar com soldados do outro país).

Agravando ainda mais a inteligência da obra de Torero, temos os personagens. Não por acaso, são sete principais. E nos sete primeiros capítulos eles são apresentados. Mas por que “não por acaso, são sete”? Porque Torero, não satisfeito em tratar, em sua obra, de um dos sete pecados somente, resolveu estender-se a todos os outros. Então, assim são os sete personagens e seus respectivos pecados: o Rei (avareza), o General (soberba), o Coronel (inveja), o Capitão (luxúria), o Tenente (preguiça), o Sargento (gula) e, finalmente, protagonista do livro, o Soldado (ira).

Ao longo da história, o autor conta a guerra a partir dos sete personagens e pecados, mas o foco é realmente no Soldado, e, por conseqüência, na ira. Seja no caso da ira transformada em cólera, e do cólera — a doença — provocando a ira. Seja a ira pela gula das moscas que, em certo ponto, infestam a campanha, atacando a comida dos soldados no que o autor chamou de o caso do Banquete. A ira é pecaminosa, pois leva à morte e aos questionamentos do que é o ser humano e quais direitos ele tem de matar um outro. Mas também é divina, nas palavras do Capelão, quando usada contra “as mil faces do mal”. Acima de tudo, e mais impressionante no livro, é a ira pelo amor. Durante a trama, o Soldado conhece a Mulher das Cartas e por ela se apaixona. E é por ela que ele luta, por ela que ele torce para a guerra não acabar. Principalmente, é por ela que ele ira-se.

No fim das contas, José Roberto Torero consegue “vender seu peixe”. Aquele que lê Xadrez, truco e outras guerras (nome dado devido ao livro começar com uma dúvida entre o jogo de truco e o de xadrez a ser jogado pelo Rei contra o diplomata) termina o livro quase com um sentimento de perdão pelo pecado da ira, e começa a questionar-se: seria este realmente um pecado, uma virtude, ou ambos?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Jornalismo de Gaveta I




A função contemporânea do campo jornalístico


Na primeira aula da cadeira de Introdução ao Jornalismo, o professor da disciplina perguntou aos alunos qual era a visão deles acerca do jornalismo, tanto na sua prática, como na sua essência. À época, respondi irresponsavelmente uma “qualquer coisa” pessimista, mais a fim de demonstrar toda a minha desilusão juvenil do que de responder à pergunta do mestre. Acredito que, alguns meses depois, possa responder tal pergunta de forma menos irresponsável e, sem dúvida, mais satisfatória (para ambos os lados). Antes, porém, peço que se tenha paciência, pois se faz necessário todo um embasamento prévio à resposta tão almejada, ou seria apenas mais uma aleatoriedade.

Quando o jornalismo estava em suas raízes, e os meios de comunicação se aprimoravam, o filósofo Walter Benjamin falou sobre potencialidade. Apesar da aparente crítica à forma como os meios mais evoluídos reproduzem a arte de forma fria, exaurindo sua “aura”, Benjamin era muito otimista com relação à sua capacidade “democratizadora”. E cabia ao jornalismo essa função. Seria, para Benjamin, o difusor da arte, da notícia, das verdades, da produção cultural em geral. Para alguns, o filósofo alemão estava redondamente enganado. Fato é que, hoje, o jornalismo não é tão parecido com aquele idealizado por Benjamin. Pierre Bourdieu, um aclamado sociólogo francês, nos fala da influência que o campo jornalismo (seus mecanismos, na verdade) exercem sobre a produção cultural. Bourdieu assemelha-se mais a Theodor Adorno, tutor e companheiro de Benjamin, ao inserir o campo jornalístico numa “lógica de mercado”. Ambos concordam ao notar que diferentes jornais se parecem cada vez mais uns com os outros. Isso por causa de uma concorrência que leva os jornalistas todos a escreverem sobre as mesmas coisas, porém cada um criticando o outro, restringindo assim a diversidade de notícias. Porém, a crítica de Adorno a um jornalismo oportunista e manipulador da massa difere um pouco da visão “bourdieuriana”, que dá um tom um pouco (e só um pouco mesmo) mais inocente ao jornalismo, coloca o jornalismo numa posição de dependente do mercado – e por isso tão irresponsável.

Bem, o jornalismo, sujeito à lógica mercantil como é, não poderia deixar de usar seu grande poder de influência para fins lucrativos. E para isso, interfere sem a menor cerimônia em todos os campos de produção cultural, controlando-os, manipulando-os. Nesse âmbito, o campo artístico é uma das grandes vítimas. O campo político também é de suma importância, porém chamo atenção para uma questão bastante discutida nas Artes. O conceito de autonomia. Antes bastante essencialista, esse campo hoje não pode mais se enclausurar em ateliers e proclamar-se autônomo e elitista. E, voltando a Benjamin, isso tudo se deve basicamente à evolução dos meios de comunicação e ao surgimento – e crescimento – do campo jornalístico.

No campo político isso também é perceptível. Hoje, o jornalismo consegue, sim, através de sua influência, frustrar os planos de políticos de qualquer lado que for. Porém, mais do que isso, ele é capaz de fazer valer a opinião da maioria, de obrigar a política, através do povo, a “tomar jeito”. A pesquisa de opinião, por exemplo, quando não manipulada, é uma manifestação do potencial democrático do jornalismo. E quando é expressiva, quando surte efeito, uma representação da democracia no país.

Então, respondendo à pergunta que fiquei devendo desde o primeiro dia de aula, em minha opinião o jornalismo tem hoje por função, para o bem ou para o mal, democratizar o acesso à produção cultural. Visando o lucro ou não, isso é um ponto positivo do campo. Porém, fica aqui minha crítica à forma como é praticado o jornalismo em alguns lugares. Irresponsável ao cuspir notícias falaciosas, estapafúrdio ao se corromper em troca de lucro. E (fica a crítica também) àqueles jornalistas que, em nome de sua vaidade, recusam-se a denunciar toda sujeira em que pisam todo dia.


Introdução



O Ato de Ler


Relaxe, você só está diante de um texto. Para lê-lo, deve estar, antes de tudo, com foco. Isso, solte os ombros. As primeiras linhas são um pouco mais lentas mesmo, é a parte de adaptação com o processo de escrita do autor. Depois, com alguma disposição (e uma ajudinha do talento do autor), você vai se acostumar mais fácil. Ache sua posição, não dê atenção ao som que a cadeira faz quando você se mexe. Sei que ler ao computador é mais difícil. Todas essas janelas piscantes e coloridas aí abaixo competem com as pequenas, fracas e insossas palavras diante de você. Mas acredite, o desafio maior está aqui, e vencê-lo dará um prazer inigualável a você. Ok, agora você parece mais focado, está querendo saber que diabos é esse desafio, certo? Eu, como escritor, poderia fazer um suspense e não dizer logo de cara, ou poderia dizer agora mesmo, poderia inventar outra história, sem desafio algum, e fazê-lo esquecer dessa: tenho o leitor nas mãos. Não! Não! Espere, sei que é o contrário, você tem o texto em mãos e olhos, pode finalizá-lo agora e ir se dedicar a outras coisas se quiser. Aquilo ali acima foi um recurso provocativo. Nós, escritores, subordinados a vocês, temos que confundi-lo a fim de envolvê-lo e, só então, esclarecê-lo.

Bem, então vamos mais diretamente ao assunto, certo? Vamos, porque eu ainda vou a ele também, escrevo à medida que você lê. Se você ainda não leu, não foi escrito. Escreve-se para quem lê. É dependência mesmo. Por isso alguns escritores são um tanto “enrolões”. Na verdade, é pura carência. Não saia agora, vou contar um causo então, não é um causo que você quer? Uma história, uma experiência? Eu conto. Acho impressionante como há pessoas que conseguem ler em situações totalmente adversas. Lembro-me do meu irmão. Durante o recreio, no colégio, juntavam-se as séries todas do colégio no pátio e tome a conversar, escutar a rádio do colégio, agüentar a berradeira dos mais novos ou dos mais exaltados. A quadra ficava ao lado do pátio, então ia pra ele também todo o barulho do futebol de trinta (variação do futebol, onde trinta pessoas jogam — todas contra todas, só pode ser — a fim de marcar um gol — em qualquer barra). Em meio a tudo isso, sentado, com o livro Xadrez, truco e outras guerras, de José Roberto Torero, está meu irmão, lendo. Lendo sem a mínima desconcentração. Eu e uns amigos, ao redor dele, falando muito alto; o rádio me incomodava porque competia comigo, e meu irmão impassível. Impressionante leitor que ele é, respeita o texto. Você deveria seguir o exemplo dele. Calma, não é uma repreensão, mas uma sugestão, talvez você já siga, ou mesmo seja melhor leitor ainda.

O leitor é um sujeito temperamental e vaidoso. É um risco escrever sobre ele, sobre você. Você sempre espera que o texto o surpreenda, mas luta bravamente contra isso. “Sabia!”, fala, ao descobrir o mistério de Assassinato no Expresso do Oriente, de Agatha Christie. Mas ninguém sabia. Não havia como saber. Não importa. O leitor sabe. Ele tem o controle do texto, ele faz o texto. Ele pára de ler neste momento, responde uma pergunta de um amigo (seja na internet, seja o colega do lado) e volta a ler, quebrando o raciocínio do autor. Mas ele é piedoso. Ele volta no texto, retoma o raciocínio, e refresca a felicidade do autor. O ato de ler é mais importante que o de escrever. Porque ler é escrever. Escrever não implica necessariamente em ler. Tem gente que nunca lê o que escreveu — geralmente são os que escrevem mal, permitam-me falar como um leitor por um momento.

E então você vai chegando ao final do texto. Sempre há um ar de poeira baixando, de suspense pré-alívio. Às vezes o final não é feliz, mas e daí? O importante é que o texto acabou. Que alívio, que sensação de liberdade. Feliz é o final que acaba com o texto. Não importa o número de mortes, o volume de lágrimas derramadas, o importante é que a última palavra finalize o texto. É curioso escrever sobre ler, e mais curioso deve ser ler sobre ler. O leitor, no momento final de um texto como este, sente-se um titã, ele é o melhor, o contemplado, o homenageado. Mas, infelizmente para você, no fim das contas, a dependência escritor–leitor não é tão grande, pois daqui pra frente, graças ao escritor, se você seguiu todo o texto do começo ao fim, acaba aqui sua função de leitor nessa história. Pois daqui para baixo só há o branco, o escritor não te deu mais nada, você tem que criar. Agora é sua vez de depender de um leitor. Parabéns, você, agora, também é um escritor.