sábado, 9 de maio de 2009

Miniconto



Do amor, da liberdade

Era de beleza inconteste. Alta, feição decidida, linda. É daquelas por que vale a pena qualquer esforço. Não se viam muito, mas sempre que podia ele subia os mais de 7000 km até a residência dela, e ia ao seu encontro, fazer o que sempre faziam, simplesmente contemplar. Ele contemplava ela, que contemplava o céu. Sempre dizia que ela parecia querer alcançá-lo. Ela não sabia o quanto significava para ele. Acima de tudo, era a representação máxima de seu ideal de vida. Ele a via como uma rainha, de coroa e tudo, uma santa, de deusa do olimpo, vestindo seu manto sagrado e, melhor do que isso, possuía a chama do amor, tinha-na em mãos, era o seu ideal. O seu ideal de liberdade. Eis que certa vez, viajou para outro lugar, não a visitou, mas ia, depois que resolvesse o que tinha para fazer do outro lado do país. "Mas o amor é forte demais", foi o que pensou, quando o avião teve que mudar de rota, completamente, para o lado oposto. Começou a ir em direção a ela, à sua morada. Não acreditava no que via, era ela, podia vê-la lá do alto. Ele pensava, "alcancei o céu, agora vou trazê-lo pra ti." Amou-a e olhou-a até o último instante, até a colisão, até ser privado de amá-la. E ela nunca soube que ele estava neste vôo, nem do seu amor, nem de nada, não podia amar, não era nada a não ser uma estátua em Nova York. Mas se vivo fosse, ele poderia jurar ter visto uma lágrima escorrer da Estátua da Liberdade.

Às vítimas do atentado de 11 de setembro de 2001, que foram privadas de amar em vida, pois homenagens não precisam ser feitas em data certa. Servem para resgatar a vida, e não para relembrar a morte.

4 colaborações:

Jão disse...

Que bonito, Diogo.

daniel disse...

Curioso tocá-lo, ao ponto de ir às letras em homenagem, esse episódio; para mim, é algo tão alheio, relevante por histórico, curioso por recente. Mas o impulso de tirar dele qualquer beleza é daqueles pelos quais a arte não deixa de ser feita e refeita.

Dio disse...

Foi a primeira vez que vi, ao vivo, pessoas se jogando de andares tão altos. As aulas foram suspensas naquele dia, e passei o resto do dia assistindo à catástrofe. Não quis retomar nenhuma discussão política, nem levantar motivações acerca do atentado. A própria alusão à Estátua da Liberdade não é uma celebração do american way of life, foi só mais um recurso narrativo. Meu único foco foram as vidas, e as privações destas vidas. Matar não é dar castigo, punição nem forma de protesto, é injusto, anti-democrático e, acima de tudo, autoritário. Defendo a liberdade, a da vida, principalmente.

Abraços,
Diogo.

Mai Melo disse...

Eu lembro com clareza desse dia. Lembro que parecia de filme as cenas que o plantão da Globo mostrava de 10 em 10 minutos. Lembro que no meu imaginário infantil escravo de filmes americanos, procurava um mocinho para punir o Bin Laden vilão (não, não acreditava em Bush). Então o enredo ficou monótono. Chegou a exaustão junto com as mudanças nos livros de História do ano seguinte. A gota d'água foi quando o Gugu levou uma sensitiva nas Torres Gêmeas à época do primeiro aniversário. 11 de setembro marco. 11 de setembro que.
Achei o herói em um documentário sobre o vôo 93, 5 anos mais tarde. Não me tocava mais.